Fotografar em manifestações e eventos públicos: direitos, riscos e cuidados”

Nos últimos anos, o número de pessoas que registram manifestações e eventos públicos com seus celulares ou câmeras profissionais cresceu consideravelmente. Seja por interesse jornalístico, ativismo ou apenas pela vontade de documentar momentos históricos, fotografar nesses contextos se tornou uma prática comum — e extremamente poderosa. Uma imagem pode informar, emocionar e até transformar narrativas.

No entanto, junto com esse crescimento surgem dúvidas importantes: afinal, o que pode ou não ser fotografado? Existe algum risco legal? Há cuidados que precisam ser tomados? A resposta é sim para todas essas perguntas. Fotografar em espaços públicos, especialmente durante protestos, envolve uma série de direitos, deveres, riscos e questões éticas que nem sempre são claros para quem está por trás da lente.

Neste artigo, vamos te guiar pelos principais direitos garantidos por lei, os riscos mais comuns enfrentados por quem fotografa em manifestações, e os cuidados essenciais para garantir não só sua segurança, mas também o respeito às pessoas envolvidas. Informação é poder — e no caso da fotografia, é também proteção.

É legal fotografar manifestações e eventos públicos?

    Sim, fotografar manifestações e eventos em espaços públicos é legal no Brasil, desde que sejam respeitados certos limites. A legislação brasileira garante o direito à liberdade de expressão e o livre exercício da atividade jornalística, o que inclui o registro de imagens em ambientes acessíveis ao público.

    Segundo o artigo 5º, inciso IX da Constituição Federal, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.” Isso significa que qualquer cidadão tem o direito de registrar acontecimentos públicos, inclusive manifestações, desde que não viole outros direitos constitucionais, como o direito à intimidade e à imagem.

    No entanto, é importante entender a diferença entre locais públicos e locais privados de acesso público:

    Espaços públicos: ruas, praças, calçadas, parques e demais áreas mantidas pelo poder público. Nestes lugares, a captação de imagens é, em regra, permitida.

    Espaços privados de acesso público: shoppings, metrôs, supermercados, entre outros. Embora qualquer pessoa possa circular nesses ambientes, eles são de propriedade privada, e a fotografia pode ser restrita ou condicionada à autorização do responsável pelo local.

    Durante manifestações, o espaço é geralmente público e aberto, o que permite a livre circulação e o registro de imagens. Ainda assim, é importante estar atento à atuação de forças policiais ou seguranças privados que, muitas vezes, tentam restringir esse direito — nem sempre de forma legal.

    Outro ponto relevante é que a liberdade de imprensa também protege fotógrafos independentes, freelancers e até mesmo cidadãos comuns que estejam registrando os fatos. Ou seja, você não precisa ser jornalista profissional para ter resguardado o direito de fotografar manifestações.

    Em resumo, sim, é legal fotografar manifestações em espaços públicos, mas é preciso estar ciente dos limites e das exceções, que serão explorados nas próximas seções.

    Direitos de imagem: quem pode ser fotografado?

      Ao fotografar manifestações e eventos públicos, uma das dúvidas mais comuns é: posso publicar imagens de pessoas sem pedir autorização? A resposta depende de alguns fatores, e a legislação brasileira ajuda a entender melhor esses limites.

      O artigo 5º, inciso X da Constituição Federal garante que:

      “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

      Em outras palavras, todas as pessoas têm direito à proteção da sua imagem. Isso significa que, em situações normais, é necessário pedir autorização para publicar fotos em que uma pessoa apareça de forma identificável, especialmente se a imagem for usada com fins comerciais ou sensacionalistas.

      No entanto, existem exceções importantes:

      Interesse jornalístico

      Quando a imagem é utilizada para fins informativos ou jornalísticos, a lei reconhece que o direito à informação pode prevalecer sobre o direito à imagem — desde que a publicação respeite a dignidade da pessoa fotografada. Isso vale especialmente para protestos e acontecimentos de interesse coletivo, como manifestações políticas ou eventos sociais.

      Pessoas públicas

      Figuras públicas — como políticos, artistas ou autoridades — têm menor expectativa de privacidade quando estão em locais públicos ou em exercício de suas funções. Nessas situações, não é necessário obter consentimento para registrar ou divulgar imagens dessas pessoas.

      Multidões

      Fotos de multidões, em que as pessoas aparecem de forma difusa, sem destaque individual, não costumam exigir autorização. Isso porque, nesse contexto, o foco da imagem é o evento ou a situação coletiva, e não uma pessoa específica.

      Importante:

      Mesmo nas exceções, é essencial usar o bom senso. Evite expor pessoas em situações constrangedoras ou que possam colocar sua segurança em risco — especialmente em protestos políticos, onde há chance de retaliação.

      Respeitar o direito de imagem não significa deixar de fotografar, mas sim agir com responsabilidade, ética e consciência dos impactos que uma foto pode causar.

      Riscos envolvidos ao fotografar em manifestações

        Apesar de ser legal registrar manifestações e eventos públicos, fotografar nesses contextos pode trazer riscos reais, tanto físicos quanto legais. Estar ciente desses perigos é essencial para se proteger e agir com responsabilidade no calor do momento.

        Riscos físicos: tumultos, violência e repressão

        Manifestações, por natureza, podem mudar de clima rapidamente. O que começa como um ato pacífico pode se transformar em tumulto, confronto com a polícia ou repressão violenta. Nesses momentos, fotógrafos — sejam profissionais ou amadores — muitas vezes acabam na linha de frente, correndo risco de:

        • Ser empurrado, agredido ou pisoteado em meio a multidões em movimento;

        • Ser atingido por balas de borracha, gás lacrimogêneo ou spray de pimenta;

        • Ter o equipamento danificado ou roubado em meio à confusão.

        Mesmo se identificado como fotógrafo, nem sempre há garantia de segurança. Infelizmente, há registros frequentes de profissionais da imagem sendo alvo de hostilidade, inclusive por parte de agentes de segurança pública.

        Riscos legais: apreensão de equipamentos e acusações infundadas

        Além dos riscos físicos, quem fotografa manifestações também pode enfrentar complicações legais. Entre os problemas mais comuns estão:

        Apreensão de câmeras ou celulares por parte de policiais, muitas vezes sem base legal;

        Tentativas de censura ou intimidação, com ameaças de prisão ou exigência de apagar imagens;

        Acusações de invasão de privacidade, mesmo em ambientes públicos, especialmente quando pessoas se sentem expostas.

        Em casos mais extremos, fotógrafos já foram detidos sem justificativa legal, apenas por registrarem ações de forças de segurança durante protestos.

        Casos reais

        Infelizmente, esses riscos não são apenas teóricos. Nos últimos anos, diversos casos chamaram atenção:

        • Em 2013, durante os protestos do Movimento Passe Livre, diversos jornalistas e fotógrafos foram feridos pela polícia em São Paulo, mesmo estando identificados.

        • Em 2020, fotógrafos independentes relataram apreensão de câmeras durante manifestações contra o racismo e a violência policial no Rio de Janeiro.

        • Há também relatos constantes de fotógrafos sendo pressionados a apagar imagens que registram abusos, o que configura violação de direitos fundamentais.

        Diante desse cenário, é fundamental que quem se propõe a fotografar manifestações esteja preparado não apenas tecnicamente, mas também em termos de segurança e conhecimento legal. Nas próximas seções, vamos falar sobre os cuidados essenciais para minimizar esses riscos e garantir que sua fotografia continue sendo uma ferramenta de expressão e denúncia — e não um risco à sua integridade.

        Cuidados que todo fotógrafo deve ter

          Fotografar manifestações e eventos públicos exige mais do que sensibilidade estética e técnica. É fundamental estar preparado para situações imprevisíveis, tanto para proteger a si mesmo quanto seu equipamento e o material captado. A seguir, estão alguns cuidados essenciais que todo fotógrafo — profissional ou amador — deve considerar ao cobrir esse tipo de evento.

          Equipamentos ideais e discretos

          Em ambientes tensos e com grande movimentação, menos é mais. Prefira equipamentos leves, compactos e discretos, que permitam mobilidade e não chamem tanta atenção. Câmeras mirrorless, lentes versáteis (como 24-70mm), ou até mesmo celulares com boa capacidade de imagem são ótimas opções.

          Evite carregar mochilas grandes ou vários acessórios que possam atrapalhar uma saída rápida, caso necessário.

          Capas protetoras, backups e upload em nuvem

          Gás lacrimogêneo, pancadas e até chuva inesperada podem danificar seu equipamento. Por isso, capas protetoras para câmera e celular são indispensáveis. Além disso, sempre que possível:

          • Leve um cartão de memória extra;

          • Faça backup em tempo real ou o mais breve possível após o evento;

          • Use aplicativos que fazem upload automático para a nuvem (como Google Fotos ou Dropbox), garantindo que as imagens não se percam mesmo que o dispositivo seja apreendido ou danificado.

          Identificação como fotógrafo

          Se você estiver registrando manifestações com um objetivo jornalístico ou documental, o ideal é se identificar como fotógrafo. Um colete com a palavra “IMPRENSA” ou um crachá visível pode ajudar a evitar abordagens agressivas, embora não seja garantia de segurança total.

          Em contrapartida, dependendo do clima da manifestação, essa identificação pode te tornar alvo — por isso, avalie o contexto e, se achar mais seguro, opte por se manter mais discreto.

          Planejamento da rota de entrada e saída do local

          Um dos maiores erros é chegar despreparado. Antes de ir a uma manifestação, estude o local:

          • Saiba onde ficam as vias de acesso, estações de metrô ou pontos de fuga;

          • Combine pontos de encontro com colegas ou amigos;

          • Evite ruas sem saída ou locais com risco de cercamento;

          • Mantenha seu celular carregado e leve um power bank.

          Ter uma rota de entrada e, principalmente, uma rota segura de saída pode fazer toda a diferença em situações de confusão, repressão policial ou dispersão do protesto.

          Esses cuidados não impedem totalmente os riscos, mas aumentam sua segurança e a chance de preservar seu trabalho. Fotografar manifestações é uma forma poderosa de documentar a história, mas é preciso estar atento, preparado e consciente.

          Ética na fotografia de protestos

            Fotografar manifestações é, antes de tudo, um ato de responsabilidade. As imagens que você registra e compartilha têm o poder de informar, inspirar e denunciar — mas também podem expor pessoas ao risco, reforçar preconceitos ou distorcer a realidade. Por isso, a ética na fotografia de protestos é tão importante quanto a técnica.

            Respeito à dignidade das pessoas fotografadas

            Mesmo em espaços públicos, as pessoas retratadas são mais do que “elementos visuais”. Elas têm histórias, contextos e, muitas vezes, estão ali se manifestando por causas que envolvem dor, indignação ou esperança. Ao fotografá-las, é fundamental garantir que suas imagens não sejam usadas de forma desrespeitosa, humilhante ou descontextualizada.

            Evite enquadrar situações que exponham sofrimento gratuito, quedas, brigas ou expressões que possam ser mal interpretadas. O compromisso do fotógrafo deve ser com a narrativa honesta e humana dos fatos.

            Evitar reforçar estereótipos ou criminalizar manifestantes

            Uma das armadilhas mais comuns — e perigosas — é reproduzir imagens que alimentam estereótipos, como a ideia de que manifestantes são sempre violentos, bagunceiros ou criminosos. A escolha do enquadramento, o momento do clique e a legenda associada à foto podem reforçar (ou combater) essas narrativas.

            É importante refletir: minha imagem está contribuindo para o entendimento do protesto ou distorcendo sua mensagem? Mostrar apenas momentos de confronto, ignorando a multidão pacífica, por exemplo, pode passar uma impressão injusta e parcial do evento.

            Consentimento e sensibilidade ao publicar rostos

            Embora não seja obrigatório pedir autorização para fotografar pessoas em manifestações públicas (como vimos na seção anterior), isso não isenta o fotógrafo de agir com sensibilidade e bom senso.

            Antes de publicar o rosto de alguém, especialmente em contextos delicados — como protestos contra governos, temas raciais, violência policial, entre outros — pergunte-se:

            • Essa imagem pode colocar essa pessoa em risco?

            • Ela está visivelmente vulnerável ou emocionalmente abalada?

            • A publicação do rosto é realmente essencial para transmitir a mensagem da foto?

            Se a resposta for negativa, considere desfocar rostos, usar ângulos mais abertos ou buscar o consentimento direto, sempre que possível.

            Agir com ética na fotografia não significa abrir mão da liberdade artística ou jornalística, mas sim assumir a responsabilidade social do que se compartilha com o mundo. Uma imagem pode ser uma ponte ou uma barreira — cabe a você escolher como usá-la.

            E as redes sociais? Publicar ou não?

              Após registrar uma manifestação, a vontade de compartilhar as fotos nas redes sociais pode ser imediata — especialmente quando se capta um momento forte, simbólico ou esteticamente impactante. No entanto, é importante refletir antes de publicar, pois a internet amplia o alcance das imagens e, com isso, os riscos também aumentam.

              Riscos de exposição indevida

              Publicar fotos de protestos com rostos identificáveis pode colocar manifestantes em situações de risco, especialmente quando há repressão, perseguição política ou quando a pessoa retratada participa de uma causa que ainda sofre preconceito social.

              A imagem, fora de contexto, pode ser usada para:

              Criminalizar ou rotular manifestantes injustamente;

              Expor pessoas a retaliações, no trabalho ou na vida pessoal;

              Violar o direito à privacidade, mesmo que a foto tenha sido tirada em local público.

              Lembre-se: uma vez publicada, a imagem pode ser copiada, editada ou tirada de contexto por terceiros, sem o seu controle.

              Como excluir rostos ou esconder identidades

              Se for necessário publicar a imagem, mas houver o risco de exposição, existem formas de proteger a identidade das pessoas fotografadas:

              Desfoque ou cubra os rostos com ferramentas de edição (como Lightroom, Snapseed, Photoshop ou apps de celular);

              • Use ângulos estratégicos para mostrar a cena sem identificar ninguém diretamente;

              • Publique imagens que priorizem o registro do coletivo, sem focar em indivíduos isolados.

              Essas medidas ajudam a preservar a mensagem da imagem sem colocar ninguém em perigo.

              Dicas para proteger a si e aos outros na internet

              Além de cuidar das pessoas que aparecem nas fotos, é importante proteger a si mesmo ao postar conteúdos sensíveis:

              Evite marcar localização em tempo real ao cobrir protestos;

              • Publique com atraso, se houver risco de represália no local do evento;

              Configure a privacidade das postagens, especialmente se for compartilhar com um grupo específico;

              Inclua contexto na legenda, evitando interpretações equivocadas da imagem;

              • Esteja preparado para lidar com comentários, críticas ou até ameaças — e denuncie abusos em plataformas digitais.

              Publicar fotos de manifestações nas redes sociais é uma forma poderosa de amplificar vozes, documentar histórias e inspirar mudanças, mas deve ser feito com consciência, cuidado e respeito. Nem toda imagem precisa ser publicada — às vezes, o valor está em captá-la e saber a hora certa de usá-la.

              Fotografar manifestações e eventos públicos é mais do que registrar cenas impactantes — é também um ato político, social e, muitas vezes, de coragem. Por isso, conhecer seus direitos legais, entender os riscos envolvidos e agir com ética e responsabilidade é fundamental para quem deseja atuar com consciência nesse tipo de cenário.

              A imagem tem poder. Ela pode denunciar injustiças, amplificar vozes silenciadas e construir memória coletiva. Mas também pode, se mal utilizada, expor pessoas ao perigo ou reforçar narrativas distorcidas. Por isso, cada clique deve ser pensado com atenção, sensibilidade e respeito.

              Se você pretende fotografar em espaços públicos, especialmente durante protestos, prepare-se bem, proteja-se e, acima de tudo, respeite a dignidade de quem está ao seu redor. A prática consciente da fotografia é um passo importante para garantir que a liberdade de expressão e o direito à imagem caminhem lado a lado.

              E você? Já fotografou manifestações ou eventos públicos? Tem alguma dúvida ou experiência para compartilhar? Deixe seu comentário abaixo — vamos trocar ideias e aprender juntos. E se achou esse conteúdo útil, compartilhe com quem também se interessa por fotografia, direitos e cidadania!

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